Exército remove últimas barricadas no Complexo do Alemão
Hanrrikson de Andrade
Especial para o UOL Notícias
No Rio de Janeiro
Os soldados da Força de Pacificação trabalham na tarde desta
quarta-feira (7) para remover as últimas barricadas feitas pelos
traficantes que invadiram comunidades do Complexo do Alemão, zona norte
do Rio de Janeiro, na noite de ontem.
Os criminosos abriram ralos de esgoto instalados recentemente pela
Secretaria Municipal de Conservação através do projeto de reurbanização
das favelas da Grota, do Adeus, entre outras, para impedir a passagem
dos tanques blindados e dos caveirões da Polícia Militar.
Os militares foram orientados a agir cautelosamente, já que podem
existir artefatos explosivos escondidos nesses locais. Por volta das 16
horas, um blindado do tipo Urutu foi utilizado para recolocar tampões
arrancados na entrada da favela da Grota, na rua Joaquim de Queiroz, um
dos pontos de maior tensão durante o tiroteio da noite de terça-feira
(6).
Mais cedo, os militares encontraram cinco bombas de fabricação caseira
em outro ponto de acesso à favela da Grota, a rua Nova, nas proximidades
da escola Jornalista Tim Lopes. De acordo com o pelotão do Exército que
estava no local, os artefatos foram lançados contra os agentes da Força
de Pacificação.
Paz ameaçada
Os moradores que tentam entrar nas comunidades do Complexo do Alemão,
na zona norte do Rio de Janeiro, continuam sendo revistados pelos
militares da Força de Pacificação, principalmente os que conduzem carros
e motocicletas. No início da noite de terça, um tiroteio de quase duas
horas entre soldados e criminosos assustou a população da região, que
foi obrigada a se trancar em casa.
Uma adolescente de 15 anos morreu após ser atingida na cabeça por uma
bala perdida, e um homem foi ferido por estilhaços de uma granada.
Segundo a Força de Pacificação, 11 veículos blindados (dos quais seis
desfilariam na parada da Independência, nesta quarta-feira) reforçam a
segurança em toda a área do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro.
Homens da Polícia Militar e do Batalhão de Operações Especiais (Bope)
também estão no local.
A polícia investiga se o confronto de ontem foi provocado por
traficantes da facção Comando Vermelho (CV) que conseguiram fugir
durante o processo de pacificação, no fim do ano passado. Eles teriam
invadido as comunidades da Baiana e do Adeus, no Complexo do Alemão, a
fim de retomar o controle nesta localidade.
Segundo informações passadas por moradores, homens armados
possivelmente com fuzis estavam no alto da favela efetuando disparos
contra os militares. Segundo V., que mora na favela da Grota, um grupo
de pessoas atirou fogos de artifício contra um pelotão de soldados que
circulava próximo à comunidade.
"O pessoal está comentando que o cara jogou e saiu correndo. Os
soldados começaram a atirar e depois foi tiro para tudo quanto é lado.
Algum bandido deve ter arma escondida em casa", disse uma pessoa, sob
condição de anonimato.
Alguns minutos após o início do tiroteio, moradores relataram barulho
de explosões de bombas na estrada do Itararé. Fogos de artifício foram
lançados à medida que os pelotões do Exército subiam pelas ruas das
comunidades (uma tradicional estratégia dos traficantes para alertar
sobre a entrada da polícia). Mais cedo, um carro de transporte de
soldados foi atacado com tiros e granadas no mesmo local.
Atingida na cabeça
De acordo com Carla Lúcia da Silva, a sua sobrinha Ana Lúcia da Silva,
15, foi levada ainda com vida para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento)
da Penha, na zona norte do Rio, após ser atingida na cabeça por uma
bala perdida. No entanto, a adolescente não resistiu e teve morte
cerebral decretada.
Já um homem identificado apenas como Luiz, 47, deu entrada no hospital
Getúlio Vargas, no mesmo bairro, com ferimentos provocados por
estilhaços de uma granada. Ele apresenta escoriações na região da
cabeça, segundo informações de policiais de plantão no hospital.
Além de denúncias sobre a conduta de policiais de UPPs, a Secretaria
Estadual de Segurança Pública teve que lidar em menos de 24 horas com a
repercussão negativa gerada pelos supostos abusos na mediação de
pequenos conflitos ocorridos no último fim de semana no Complexo do
Alemão (que receberá oficialmente uma UPP em breve) e na Cidade de Deus
(pacificada há mais de dois anos), zona oeste do Rio.
No maior conjunto de favelas da zona norte da capital, os militares da
Força de Pacificação utilizaram bombas, spray de pimenta e balas de
borracha para conter um pequeno tumulto provocado por pessoas que
assistiam a um jogo de futebol, na noite de domingo.
Toda a ação foi filmada por um morador da comunidade e gerou uma onda
de manifestações contra a presença do Exército - que passou a ser
chamado de "Comando Verde", em alusão ao nome da facção criminosa que
controlava o Complexo do Alemão antes do processo de pacificação, o
Comando Vermelho (CV).
Uma moradora da favela da Grota revelou ao UOL Notícias que, após a
confusão do fim de semana, o Exército impôs toque de recolher na região,
e na segunda-feira, muitos moradores foram obrigados a voltar para casa
até as 22 horas.
"Fui visitar uma amiga e tive que dormir na casa dela, não podia nem
chegar na janela. Os soldados estão com raiva, e os moradores estão
voltando a ter o mesmo medo que existia na época em que os traficantes
estavam aqui", disse uma moradora.
Já na UPP da Cidade de Deus, a segurança foi reforçada depois que
frequentadores de um baile funk da região atacaram a sede da unidade com
pedras e garrafas, na madrugada de segunda. Na ocasião, um sargento da
PM, identificado como André Luiz, teve ferimentos leves e foi
encaminhado para o Hospital Central da Polícia Militar. O caso está
sendo investigado pela 42ª Delegacia de Polícia (Taquara). Ninguém foi
preso.
Moradores denunciam abertamente que as limitações em relação ao baile
funk da Cidade de Deus supostamente variam de acordo com as equipes que
são escaladas para patrulhar a comunidade - enquanto alguns exigem que
os eventos sejam encerrados até 22 horas, em função da Lei do Silêncio,
outros permitem que as festas ocorram até a madrugada. Não há
informações oficiais sobre o assunto, tampouco investigação da
Corregedoria da PM para apurar se algum policial estaria a receber
propina.
No mês passado, pelo menos duas ocorrências foram registradas em áreas
de UPP. No dia 19 de agosto, um homem efetuou disparos contra policiais
da unidade instalada no morro do São Carlos, no Estácio, zona norte do
Rio. De acordo com a Secretaria de Segurança, um homem em uma
motocicleta conseguiu furar um bloqueio policial e atirou contra os PMs
que pretendiam revistá-lo. Ninguém ficou ferido.
Já no dia 14 de agosto, três policiais da Unidade de Polícia
Pacificadora do Turano, no Rio Comprido, zona norte, se envolveram em
uma confusão na saída de um baile funk realizado na favela da Chacrinha.
Segundo a Secretaria de Segurança, o evento foi marcado sem autorização
do comando da UPP e não possuía qualquer tipo de alvará.
Ao forçar o término da festa, os três PMs foram atacados com garrafas,
pedras e latas de alumínio, mas conseguiram fugir do local sem
ferimentos graves. Pelo menos cinco pessoas foram presas.